A dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, que pode sinalizar lesões tecidulares potenciais ou efetivas, com o intuito de promover comportamentos que visem a proteção dos indivíduos.1 Para que ocorra a perceção da dor, é necessário que a informação associada ao estímulo doloroso seja transmitida desde a periferia até ao córtex cerebral. Neste processo, o estímulo é integrado ao nível da medula espinhal, do tronco cerebral e do telencéfalo, sendo influenciado por múltiplos contextos, inclusivamente psicológicos, sociais e culturais, ou mesmo por experiências prévias e outros estímulos sensoriais.1

Ao nível do cérebro, a perceção dolorosa não tem um córtex particular associado, ao contrário de outras perceções sensoriais, como o olfato, a visão e a audição, que apresentam um córtex sensorial específico.2

Circuitos cerebrais da dor

Estudos recentes de neuroimagiologia funcional permitiram relacionar a dor com a ativação padronizada de uma rede que envolve diversas regiões do cérebro. Esta rede é muitas vezes designada por “circuito da dor” ou “matriz da dor” e envolve:

  • os córtices somatossensoriais primário e secundário;
  • os córtices pré-frontal, insular e cingulado anterior;
  • o núcleo accumbens;
  • a amígdala;
  • o tálamo.

Atualmente, sabe-se que o córtex somatossensorial primário é responsável pela identificação do local de origem do estímulo doloroso, enquanto que o córtex somatossensorial secundário está associado à discriminação da intensidade da dor. O córtex pré-frontal realiza a integração cognitiva da dor, estando envolvido na localização do estímulo doloroso e nas componentes de memória e de emoção associadas. O papel afetivo da perceção dolorosa e a função sensorial têm sido também atribuídos ao córtex insular, muitas vezes co-ativado com o córtex cingulado anterior.2-4

A dor crónica e as alterações nos circuitos cerebrais da dor

Nos indivíduos com dor crónica, considerada como uma condição de saúde por si mesma, as áreas de ativação do córtex cerebral são mais extensas e dispersas do que na dor aguda.5,6 Como existe uma maior área ativada nos córtices somatossensoriais, os doentes têm mais dificuldade em identificar o local da dor, frequentemente descrita como difusa. Isto permite explicar situações em que, inicialmente, os doentes apresentam queixas apenas numa determinada região e, mais tarde, começam a referir dor também noutras regiões, à medida que existe ativação de mais áreas dos córtices somatossensoriais.5,6

Na dor crónica, o córtex insular regista também um aumento da ativação, como forma de auxiliar os córtices somatossensoriais no processamento do estímulo doloroso transmitido da periferia. Isto contribui para a alodinia e hiperalgesia, muitas vezes descritas na dor crónica.5,6

A maior ativação dos córtices pré-frontal e cingulado anterior na dor crónica permite explicar a maior componente emocional e afetiva associada à dor crónica, o que, por sua vez, pode influenciar também os níveis aumentados de dor que são descritos por estes doentes.7 Além da hiperativação, ocorrem alterações cerebrais devido à plasticidade do sistema nervoso. Em situações de dor crónica, pode mesmo existir perda de espessura cortical pela diminuição do número de neurónios com consequente diminuição da velocidade das sinapses.8,9 Neste sentido, os indivíduos com dor crónica podem apresentar frequentemente défices cognitivos e de memória de trabalho, o que pode afetar o seu desempenho em diversas tarefas diárias.10

Compreender aprofundadamente os circuitos da dor e os mecanismos responsáveis pela sua modulação é fundamental para o desenvolvimento de terapias mais eficazes que permitam diminuir o impacto da dor no dia-a-dia dos indivíduos.6

Referências

  1. Aguggia M. Neurophysiology of pain. Neurol Sci. 2003 May;24 Suppl 2:S57-60. doi: 10.1007/s100720300042. PMID: 12811593.
  2. Chen ZS. Decoding pain from brain activity. J Neural Eng. 2021 Oct 4;18(5). doi: 10.1088/1741-2552/ac28d4. PMID: 34608868.
  3. Melzack R. Pain and the neuromatrix in the brain. J Dent Educ. 2001 Dec;65(12):1378-82. PMID: 11780656.
  4. Mouraux A, Iannetti GD. The search for pain biomarkers in the human brain. Brain. 2018 Dec 1;141(12):3290-3307. doi: 10.1093/brain/awy281. PMID: 30462175; PMCID: PMC6262221.
  5. Apkarian VA, Hashmi JA, Baliki MN. Pain and the brain: specificity and plasticity of the brain in clinical chronic pain. Pain. 2011 Mar;152(3 Suppl):S49-S64. doi: 10.1016/j.pain.2010.11.010. Epub 2010 Dec 13. PMID: 21146929; PMCID: PMC3045648.
  6. Barroso J, Branco P, Apkarian AV. Brain mechanisms of chronic pain: critical role of translational approach. Transl Res. 2021 Dec;238:76-89. doi: 10.1016/j.trsl.2021.06.004. Epub 2021 Jun 25. PMID: 34182187; PMCID: PMC8572168.
  7. Vachon-Presseau E, Centeno MV, Ren W, Berger SE, Tétreault P, Ghantous M, Baria A, Farmer M, Baliki MN, Schnitzer TJ, Apkarian AV. The Emotional Brain as a Predictor and Amplifier of Chronic Pain. J Dent Res. 2016 Jun;95(6):605-12. doi: 10.1177/0022034516638027. Epub 2016 Mar 10. PMID: 26965423; PMCID: PMC4924545.
  8. (Yang S, Chang MC. Chronic Pain: Structural and Functional Changes in Brain Structures and Associated Negative Affective States. Int J Mol Sci. 2019 Jun 26;20(13):3130. doi: 10.3390/ijms20133130. PMID: 31248061; PMCID: PMC6650904
  9. May A. Chronic pain may change the structure of the brain. Pain. 2008 Jul;137(1):7-15. doi: 10.1016/j.pain.2008.02.034. Epub 2008 Apr 14. PMID: 18410991.
  10. Berryman C, Stanton TR, Jane Bowering K, Tabor A, McFarlane A, Lorimer Moseley G. Evidence for working memory deficits in chronic pain: a systematic review and meta-analysis. Pain. 2013 Aug;154(8):1181-96. doi: 10.1016/j.pain.2013.03.002. Epub 2013 Mar 14. PMID: 23707355.