Dor e Geriatria: uma relação inevitável?

Um tema recorrente

Atualmente, estima-se que haja cerca de 125 milhões de pessoas acima dos 80 anos de idade em todo o mundo, com previsões de que este número aumente para 434 milhões até 20501. Cada vez mais, este envelhecimento é acompanhado por anos de independência funcional e relativa saúde. Contudo, existem também problemas associados à idade que diminuem a qualidade de vida de forma importante, entre os quais, a dor. Foi estimado que cerca de 70% das pessoas acima dos 85 anos tenham dor crónica2, sendo a dor nas costas, nos joelhos e nas ancas as localizações mais frequentes de dor nesta população3.

A dor, para além de ser um problema em si, tem um impacto desmedido na qualidade de vida em pessoas idosas, particularmente, por limitar a autonomia e estar associada à depressão. Em pessoas com síndromas demenciais, a dor pode servir de trigger para alterações do comportamento, alterações de humor e uma redução na mobilidade4.

Existe o estigma de que a dor e a deterioração da idade são parceiros unidos e que pouco ou nada se pode fazer para reduzir qualquer um destes sintomas. Contudo, existe evidência de que o tratamento eficaz da dor, para além de ser algo de positivo em si, pode aumentar o apetite, melhorar a qualidade do sono, melhorar o humor e aumentar a autonomia das atividades de vida diária5,6.

No entanto, existe também evidência de que a dor não é eficazmente tratada em pessoas de idade avançada7. Importa, assim, compreender as barreiras para o tratamento da dor nesta população e identificar formas de as ultrapassar.

Barreiras ao tratamento eficaz

É possível que haja, na família do idoso, na comunidade médica e na sociedade como um todo, atitudes preconceituosas por causa da idade. Até a própria pessoa com dor pode acreditar que a dor e a idade são irmãs inseparáveis, pese embora isto não seja verdade. Os idosos podem ser reservados e até estoicos relativamente à sua dor, não apenas por não querem ser lamuriosos, mas também porque têm outros desafios, muitas vezes funcionais, no seu quotidiano, aos quais dão prioridade.

A identificação da dor pode também ser substancialmente prejudicada devido a problemas de comunicação. Como exemplo, pessoas com demência recebem menos analgésicos ou em comparação com pessoas sem compromisso cognitivo8. O compromisso cognitivo pode ter um grande impacto no manejo da dor uma vez que, para um tratamento da dor ser eficaz, a comunicação é essencial. Há que saber onde está a dor, quando está presente, como influencia a vida cotidiana, etc. Em pessoas com demência, a comunicação é muitas vezes gravemente prejudicada, o que torna o reconhecimento, o manejo e a avaliação da dor um grande desafio.

Próximos passos

As pessoas idosas têm direito a uma identificação, avaliação e eficaz gestão da sua dor. A avaliação da dor deve ser realizada regularmente. Uma vez que os idosos com dor podem ser menos comunicativos, torna-se essencial que os familiares, cuidadores e profissionais de saúde façam avaliações regulares da dor. Para os familiares, isto pode passar por reconhecer as expressões faciais e outras formas de comunicação não-verbal.

Existem muitas formas de tratar a dor, mas na população geriátrica, torna-se essencial considerar comorbilidades e o risco de potenciais efeitos adversos. Por isto, há que ter particular cuidado na prescrição de opioides, que podem aumentar o risco de quedas depressão respiratória, e medicamentos como AINES, que podem aumentar o risco de alterações renais. Terapêuticas não-farmacológicas e outros medicamentos podem ser vias mais seguras. Em todos os casos, é essencial iniciar um medicamento de cada vez, alertando e vigiando para a possibilidade de efeitos adversos.

Referências

  1. WHO. Ageing and health (2019). www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ageing-and-health
  2. Duncan, R., Francis, R. M., Collerton, J., Davies, K., Jagger, C., Kingston, A., ... & Birrell, F. (2011). Prevalence of arthritis and joint pain in the oldest old: findings from the Newcastle 85+ study. Age and ageing, 40(6), 752-755.
  3. Abdulla, A., Adams, N., Bone, M., Elliott, A. M., Gaffin, J., Jones, D., ... & Schofield, P. (2013). Guidance on the management of pain in older people. Age and ageing, 42, i1-57.
  4. van Dam, P. H., Caljouw, M. A., Slettebø, D. D., Achterberg, W. P., & Husebo, B. S. (2019). Quality of life and pain medication use in persons with advanced dementia living in long-term care facilities. Journal of the American Medical Directors Association, 20(11), 1432-1437.
  5. Pieper, M. J., van Dalen-Kok, A. H., Francke, A. L., van der Steen, J. T., Scherder, E. J., Husebø, B. S., & Achterberg, W. P. (2013). Interventions targeting pain or behaviour in dementia: a systematic review. Ageing research reviews, 12(4), 1042-1055.
  6. Husebo, B. S., Ballard, C., Fritze, F., Sandvik, R. K., & Aarsland, D. (2014). Efficacy of pain treatment on mood syndrome in patients with dementia: a randomized clinical trial. International journal of geriatric psychiatry, 29(8), 828-836.
  7. Savvas, S. M., & Gibson, S. J. (2016). Overview of pain management in older adults. Clinics in geriatric medicine, 32(4), 635-650.
  8. Achterberg, W. P., Pieper, M. J., van Dalen-Kok, A. H., De Waal, M. W., Husebo, B. S., Lautenbacher, S., ... & Corbett, A. (2013). Pain management in patients with dementia. Clinical interventions in aging, 8, 1471.