Modelo biopsicossocial da dor

Cada pessoa tem a sua dor

Atualmente é amplamente aceite que cada pessoa pode experienciar um quadro de dor de forma única, particular à pessoa, com as suas vicissitudes e meio ambiente. Assim, é normal que duas pessoas com a mesma situação médica possam vivenciá-la de forma absolutamente diferente e necessitar de uma gestão terapêutica individualizada.

Do ponto de vista científico, pensa-se que existem várias dimensões na perceção da dor, mas simplificadamente, pode-se falar em duas. A primeira componente, mais formal e centrado numa região do cérebro chamado o tálamo, é a componente sensorial-discriminativa, responsável por identificar a dor, desde quando existe e com que características. Já a segunda, com uma localização mais difusa pelo sistema nervoso, numa rede chamado o sistema límbico, é a componente afetiva da dor, que associa a dor a emoções negativas.1 Estudos de ressonância magnética funcional mostram que a dor crónica ativa as mesmas áreas do cérebro que são ativadas em pessoas com alterações emocionais. Com o tempo, as áreas do cérebro ativadas com a dor mudam da região do cérebro que lida com as informações sensoriais do nosso corpo para o sistema límbico do cérebro, que processa as emoções.2

Esta forma de pensar foi primeiro elaborada em 1977, por George Engel, autor que desenvolveu o modelo biopsicossocial da dor.3 Este modelo considera a interação de fatores biológicos, psicológicos e sociológicos que contribuem para a experiência da dor. Exemplos de fatores biológicos incluem a gravidade da condição de saúde, hormonas e genética. Exemplos de fatores psicológicos incluem humor, a forma de lidar com a dor e a dor catastrófica. Exemplos de fatores sociais incluem papéis de género, identidade étnica, discriminação e preconceito do prestador de cuidados de saúde.

Com o decorrer do tempo, esta forma de pensar veio a ser comprovada por investigação feita ao sistema nervoso central. Numa parte importante chamado o sistema límbico.

Uma abordagem adequada

De acordo com o modelo biopsicossocial da dor, o tratamento da dor crónica deve ser multifacetado. O objetivo do tratamento primário é aliviar a dor física, aumentar o movimento e melhorar a funcionalidade geral. Contudo, este modelo também tem em consideração potenciais barreiras no percurso da doença e na recuperação. Os cuidados interdisciplinares podem incluir cuidados primários, cuidados psiquiátricos, fisioterapia e terapia ocupacional. Os planos de tratamento devem ser adaptados ao indivíduo com base nas suas necessidades físicas, psicológicas e sociais.

Bem-estar ao longo da vida

A educação do doente é um componente crucial para uma gestão eficaz da dor. Desde o primeiro momento, há que entender o porquê da dor poder continuar mesmo após a cicatrização dos tecidos. Há que perceber que as pessoas podem perfeitamente assumir que "deve haver algo errado" e "dor significa lesão". Quanto mais as pessoas entenderem o seu contexto, mais eficazes serão no seu próprio tratamento.4

A explicação dos mecanismos biopsicossociais que contribuem para a dor pode reduzir preocupações angustiantes e frequentemente esmagadoras sobre sintomas inexplicáveis. A ansiedade associada e o pensamento catastrófico podem piorar a dor e podem levar a exames diagnósticos e tratamentos tanto ineficazes como dispendiosos. Inclusivamente, existe evidência científica de que programas de educação específicos contribuem para melhorar a própria dor.5

Para ir longe, vai-se em grupo

A educação e capacitação das pessoas com dor e dos seus cuidadores podem ser fornecidas durante inúmeros momentos por médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e farmacêuticos, sendo que é possível aprender tanto no consultório médico, como em associações de doentes ou na comunidade, Internet e livros de autoajuda.

Uma realidade integrada

Há que reconhecer que a dor não “está na cabeça” das pessoas que a sentem. Mesmo que não seja encontrada uma causa definida para a dor, uma forma de pensar biopsicossocial ajuda-nos a passar de uma visão a preto e branco, onde a dor só pode ter origem em problemas físicos concretos, para uma realidade a cores, onde se entende que a dor pode ser amplificada ou reduzida com base em fatores que podemos todos controlar: atividade, nutrição, stress e a mentalidade da pessoa.

Da mesma forma, quando se encontra uma causa específica para a dor, não podemos esquecer de toda a realidade envolvente da pessoa que tem dor – a sua realidade biopsicossocial.

Referências

  1. Lumley, M. A., Cohen, J. L., Borszcz, G. S., Cano, A., Radcliffe, A. M., Porter, L. S., ... & Keefe, F. J. (2011). Pain and emotion: a biopsychosocial review of recent research. Journal of clinical psychology, 67(9), 942-968.
  2. Martucci, K. T., Ng, P., & Mackey, S. (2014). Neuroimaging chronic pain: what have we learned and where are we going?. Future neurology, 9(6), 615-626.
  3. Engel, G. L. (1977). The need for a new medical model: a challenge for biomedicine. Science, 196(4286), 129-136.
  4. Sullivan, M. (2016). The patient as agent of health and health care: Autonomy in patient-centered care for chronic conditions. Oxford University Press.
  5. Pardo, G. B., Girbés, E. L., Roussel, N. A., Izquierdo, T. G., Penick, V. J., & Martín, D. P. (2018). Pain neurophysiology education and therapeutic exercise for patients with chronic low back pain: a single-blind randomized controlled trial. Archives of physical medicine and rehabilitation, 99(2), 338-347.