Debate. O estado de saúde da dor crónica em Portugal

O lançamento do site dor.com.pt deu mote para um debate sobre “O Estado de Saúde da Dor Crónica em Portugal”, moderado pela jornalista Fátima Campos Ferreira. O evento contou com a presença de vários especialistas nacionais que se reuniram para discutir o impacto clínico, social e económico da dor crónica.

No dia 23 de setembro, a Grünenthal Portugal apresentou oficialmente a nova plataforma digital dor.com.pt, um website com informação diferenciada para doentes e profissionais de saúde, que disponibiliza conteúdos relevantes sobre dor e os seus diferentes tipos, conselhos práticos e ferramentas de apoio ao diagnóstico e controlo da dor. No evento que decorreu no Convento do Beato, em Lisboa, foi também lançado um novo Código Visual da Dor – 12 cartas com imagens criadas por um artista plástico que pretendem ajudar à identificação de alguns dos principais descritores de dor crónica.

O lançamento do dor.com.pt acolheu ainda um debate sobre o impacto da dor crónica a nível nacional. “Estará a dor crónica a ser bem tratada em Portugal?” foi a pergunta que deu início a uma acesa discussão. Filipe Antunes, vice-presidente da APED (Associação Portuguesa para o Estudo da Dor), contextualizou o problema: a  prevalência da dor crónica em Portugal é de 36,7%; os custos associados à dor crónica ascendem a 738,85 milhões de euros; a dor crónica representa 2,7% do PIB nacional.

De acordo com José Castro Lopes, e com base num estudo levado a cabo pelo próprio na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, “há doentes com dor há mais de 10 anos e que não têm uma resposta para o seu problema”. Por sua vez, o economista Miguel Gouveia citou dados do Inquérito Nacional de Saúde para salientar que “existem mais de mil pessoas que têm problemas no mercado de trabalho resultantes (direta e indiretamente) da dor crónica”. De acordo com este especialista, a prevalência da dor provoca reformas antecipadas por invalidez e, na maioria dos casos, está associada a desemprego de longa duração face à demora dos processos burocráticos das reformas. “Estes fatores têm impacto no orçamento do estado, porque  um país onde as pessoas não estão a trabalhar, é um país mais pobre”, concluiu.

Enquanto anestesiologista dedicada à área da dor, Beatriz Craveiro Lopes lembrou que a dor crónica está associada a “um rol de perdas com impacto imenso no indivíduo e na sociedade”. A criação de Unidades de Dor foi um marco fundamental neste combate à dor crónica, “mas não chega para o universo de um milhão e 400 mil indivíduos que sofrem de dor crónica moderada a severa”, salienta a especialista, lembrando que existem atualmente em Portugal 22 Unidades de Dor. É neste sentido que Beatriz Craveiro Lopes reforça a necessidade de integração com os cuidados de saúde primários (CSP), lamentando que as instituições ainda se encontrem a “lutar pela articulação, quando o objetivo deve ser a integração”.

“A dor constitui o principal motivo de consulta nos CSP e o especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) vê dor diariamente e é quem tem o dever de, em primeira mão, tentar resolver o problema do doente”. Quem o diz é o médico de família da USF Lethes, Raúl Marques, que “esmagado” pelas queixas de dor na consulta de MGF, consciente de que “a primeira linha de ataque à dor são os CSP” e preocupado com as consequências inerentes à desvalorização da dor por parte dos profissionais de saúde, desenvolveu uma Consulta de Dor naquela unidade de saúde familiar em Ponte de Lima. Um trabalho que tem de ser feito “fora do seu horário assistencial”, logo, com “muito amor à camisola”…

“Temos muitos indicadores de saúde quantitativos e poucos qualitativos”

Este debate sobre o estado da arte da dor crónica em Portugal não se confinou ao painel de peritos e “saltou” para a assistência, onde Paulo Reis Pina, especialista em Medicina Interna, colocou o dedo em algumas feridas, começando por defender que é urgente reconhecer a dor crónica como uma doença, propondo a designação de síndrome dolorosa crónica. Incluir a dor no conjunto de indicadores de qualidade em CSP, a par de doenças tão importantes e prioritárias quanto a hipertensão arterial e a diabetes é outra das reivindicações que o especialista advoga como incontornáveis neste combate à dor crónica. Ideia que foi corroborada por Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde, também presente na assistência: “Temos muitos indicadores quantitativos e poucos indicadores qualitativos.  Precisamos de mais humanização e de uma cultura diferente em saúde”.

Aquando da sua passagem pelo Governo, Maria de Belém foi responsável por colocar a dor na agenda da política de saúde, “porque é preciso haver uma agenda política dedicada a esta área, que possa ser suportada por todas as pessoas”, sustentou. Lembrando a importância da declaração de Montreal, a ex-inquilina da João Crisóstomo destacou o exemplo do Canadá e do seu relatório sobre a reforma dos cuidados de saúde, denominado Building on Values, para lamentar que, atualmente,  “aquilo a que assistimos cada vez mais é que as políticas são construídas não sobre valores, mas sobre dinheiro”.

*Adaptado de Jornal Médico, Setembro 2017